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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

As Palavras

Eu amo falar português. Temos palavras para tudo, ou quase tudo. Eu gosto do som, da pronúncia, da quantidade de erres, do m antes de p e b. Gosto de como a palavra circunscrito começa leve e termina bruta. Acho a palavra verossimilhança, se dita pausadamente, muito sexy. 

Mas essa mania de "som das palavras" é só um divertimento meu.

As palavras são "objetos" de manipulação de todos. Elas acompanham o nosso humor, um "tudo certo" pela manhã pode ser traduzido como um dia ensolarado, uma manhã produtiva no trabalho. Um "tudo certo" no fim de tarde, para o amigo que vai te dar carona, pode ser interpretado como "estou cansado hoje, vamos em silêncio?"

Muitas palavras às vezes não nos dizem nada. Não porque  foram usadas fora de contexto, mas porque nos limitamos apenas em saber que elas existem, como escrevê-las corretamente e o efeito que elas possivelmente causam. Mas não as conhecemos de fato. É como saber que o George Clooney existe. Ele é lindo, ator, sabemos descrevê-lo para um autorretrato, mas é só.

Você não conhece a saudade só pelo sua grafia. Quando você sente saudade até acha que uma palavra é pouco demais para descrever o sentimento.

Você não sabe  o que é câncer só porque leu em uma cartilha médica que é importante fazer exames periodicamente. Você sabe o que é e qual a força desta palavra quando a ouve de um médico, de um parente ou amigo bem próximo, ou a lê num diagnóstico e ela passa a latejar na sua cabeça.

Você não sabe o que é amor. Mesmo sabendo que é uma das palavra mais usadas em todas as línguas. Não, não sabe, se nunca esteve diante de uma pessoa cujo nome você trocaria por essa palavrinha.

Você não sabe o que é metabolismo enquanto não atinge a idade adulta. 

Não sabe o que é velhice. E não perca seu tempo tentando prever. Se hoje você tem menos de 50 e pretende viver até os 90, conversaremos sobre o seu medo da morte e frustração por não ter feito "tudo o que queria" aos 85. Aí, três palavrinhas difíceis: medo, morte e frustração.

Você não sabe o que significa recomeço se não se vê  diante dele todos os dias. Se não está disposto a deliciar-se com um belo e bom prato. Se não abre mão de algumas coisas mesquinhas e arranja um jeito novo de seguir. Se não se deixa cegar pelas primeiras impressões. Se não levanta depois de ser esmagado pelas horas no trânsito e relaxa ao tomar um copo de água gelado em poucos goles. 

Você não sabe nem o significado da palavra "eu" se não dedica um tempo para redescobrir-se, reencontra-se e reconhecer-se. 

As palavras têm poder sim, mas se as vivermos. Afinal, o que nos valem as palavras mudas?

4 comentários:

  1. Palavras...esse seu jeito de falar sobre elas me fez "comer" esse texto como se cada palavra fosse
    um quindim...deliciosooooooooooooo!!!
    Que venha mais!!!

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  2. Eu Simplesmente adorei...
    Verdade, verdade, verdade...

    Quanto ao George Clooney ... é uma pena... Poderíamos dar ainda mais sentido... Muitos outros... Vem pro Brasil, vem... rs

    Beijo grande amarela!!!

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  3. O seu texto é o que eu penso, Érica Amorim. Para que usar palavras que para nada servem? Muito bom! Outro dia, lembrei-me de você, ao pensar em uma palavra que gosto, não me lembro mais qual... em Inglês, gosto de "inside" e "outside". E da frase, "Do you remember?".

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